quinta-feira, 23 de julho de 2015

A zona euro são 19. E se a Grécia sai, quantos ficam?

A Estátua de Sal

(Pedro Santos Guerreiro, in Expresso Diário, 22/07/2015)
Pedro Santos Guerreiro

(Nota: Este texto é interessante. O autor não quer acreditar que Portugal e Espanha tenham querido dificultar as negociações com a Grécia por calculismo político, querendo evitar as consequências, que um eventual sucesso da Grécia nas negociações, teria nos futuros atos eleitorais nesses países, porque isso seria sadismo. Não querer acreditar é um direito legítimo de qualquer um, porque para acreditar é preciso fé. Nesse sentido, verbera mais Juncker por ter dito a verdade do que Passos ou Rajoy por terem feito o que fizeram e por serem o que são, nas palavras do autor, sádicos. Com o enviesamento propagandístico que tem vindo a acentuar-se na linha editorial do Expresso, só me resta perguntar, parafraseando Júlio César: “Também tu, Pedro Santos Guerreiro?” – Estátua de Sal.)
A sucessão de reuniões de Eurogrupo, de cimeiras, de rondas de negociações, de encontros bilateriais, de fugas de informação e de declarações oficiais de responsáveis europeus revelou como a Europa está partida dentro das próprias instituições feitas para garantir a união. As declarações e desmentidos de hoje entre Juncker e Passos Coelho (apoiado por Cavaco) sobre a Grécia são apenas mais um reflexo dessa falha que se aprofunda. E que não prenuncia nada de bom.
Não é normal que o presidente da Comissão Europeia venha revelar quem se opunha e quem favoreceu determinadas negociações. Nem é normal que isso provoque uma reação de desmentido, ainda que educado, do chefe de Governo e do chefe de Estado de um país. Mas foi o que aconteceu ainda hoje. Em entrevista ao jornal belga Le Soir, Jean-Claude Juncker afirmou que “Irlanda, Portugal e Espanha não queriam [uma renegociação da dívida grega] antes das eleições e ficaram irritados comigo”. Já vamos ao conteúdo. Porque na forma nada disto faz sentido. Juncker quer tanto ficar na história como salvador das negociações (ou mesmo da Grécia…) que colocou a importância do seu ego acima da importância do seu cargo.
As feridas estão abertas mesmo dentro dos países, como se vê pelo caso do governo alemão, em que segundo a imprensa local se quebrou uma aliança que havia sido esteio da governação não só externa mas sobretudo interna: a aliança entre a chanceler e o seu ministro das Finanças. Angela Merkel defendeu um acordo com a Grécia, ao passo que Wolfgang Schäuble queria pura e simplesmente promover a saída do euro do país governado por Alexis Tsipras. Como escreveu o Spiegel, o afastamento gerou ressentimento na Alemanha e mal-estar com a França, que pode ter pedido uma governação a seis países nem sequer para eliminar os demais países mas para criar oposição institucionalizada à Alemanha.
A posição portuguesa conta relativamente pouco, não apenas pelo peso específico negocial mas também pela forma apascentada que nos últimos anos assumimos perante os poderosos da Europa. Dizê-lo não é sequer um juízo de valor, é uma observação. Juízo de valor é condenar o governo português por ter querido condenar a Grécia, o que foi sendo indisfarçável ao longo dos últimos meses e sobretudo das últimas semanas. Triste mas indisfarçável. E mais triste ainda se admitirmos que houve cálculo eleitoral nesse desejo. Se o governo espanhol queria que o Syriza fracassasse para dissuadir o voto no Podemos, queria o governo português o desastre na Grécia para valorizar o seu trabalho em Portugal? Não é sequer imaginável imaginar que isso pode ser verdade. Mais que calculismo, seria sadismo. Mas é o próprio Juncker que assume (as palavras são dele) o interesse eleitoral nacional como critério de gestão da negociação com a Grécia.
Pior que a falha diplomática de Juncker nas palavras de hoje é a falha tectónica entre países a favor e contra o acordo com a Grécia, que esta declaração de Juncker talvez involuntariamente até agrave. A gestão da crise mostrou a dificuldade de governo interno nas próprias instituições, que reclamam uma espécie de comité executivo menor e, portanto, mais ágil no debate e na decisão.
O problema não é o tamanho, é a representação. Se for para cristalizar o poder dos países poderosos sobre os países mais pequenos ou fragilizados, então subvertemos totalmente o processo de construção europeia, promovendo nem sequer uma federalização mas uma colonização política através de órgãos que nem sequer são eleitos pelos povos mas que dominarão as decisões que moldam as suas vidas.
É nisto que vamos acabar?

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